É incrível como a narrativa ao redor da temporada de prêmios mudou assim que começou. Uma temporada que começou com claros favoritos, por mais que não fossem unânimes, eram os nomes que reinavam durante a preparação. E, do nada, um nome começou a tomar toda a conversa, quietamente tomando vários prêmios que já tinham “donos”. Green Book – O Guia começou a tomar a conversa da temporada de prêmios desde sua vitória “surpresa” no Globo de Ouro como Melhor Comédia/Musical, Melhor Roteiro e Melhor Ator Coadjuvante para Mahershala Ali (ganhador do Oscar por seu trabalho em Moonlight: Sob a Luz do Luar). Além disso, o longa recebeu cinco indicações ao Oscar e já levou o prêmio do Producers Guild de melhor filme, o que coloca ele como candidato principal para o prêmio.
O longa, dirigido por Peter Farrelly (co-diretor de comédias como Debi e Lóide e Quem Vai Ficar com Mary), conta a história inspirada na amizade real entre Tony “Lip” Vallelonga (Viggo Mortensen, Capitão Fantástico) e o Dr. Don Shirley (Mahershala Ali), pianista e doutor em música. O filme foca na amizade dos dois sendo formada enquanto Tony foi seu motorista e “segurança” durante uma turnê no sul dos Estados Unidos durante a década de 1960, período de grande tensão racial nos estados sulistas.
Green Book é um filme que possui grandes ambições em seu projeto – roteirizado por Nick Vallelonga (filho de Tony), Brian Currie e Peter Farrelly. O longa se propõe a discutir questões raciais, ser uma comédia “feel-good” (aquelas que querem te enganar e falar que a vida é maneira) e ainda ser um drama envolvendo esses dois homens lutando contra suas diferenças e as questões raciais que causaram problemas a eles no trajeto pelo sul estadounidense. O problema, porém, vem quando o filme não consegue ser eficiente em nenhuma dessas ambições.
Vamos começar pelo o que funciona.
O maior trunfo que Green Book tem em seu favor são as atuações principais, com Mortensen e Ali fazendo o seu melhor para carregar o filme nas costas com suas atuações e carisma. Viggo Mortensen coloca seu melhor sotaque de imigrante italiano e os trejeitos para encarnar Tony, mas no final o personagem acaba soando como uma caricatura estereotipada do sujeito simples, ignorante, mas de bom coração (como o filme parece insistir). E do outro lado, parece que Mahershala Ali ficou com um personagem mais interessante ou pelo menos é o que ele tenta nos convencer encarnando o seu Dr. Shirley como alguém extremamente focado, disciplinado e que parece ter abandonado qualquer interação humana sem que seja profissional como uma medida de segurança. Ali tenta fazer o seu personagem funcionar por mais que o seu arco durante o longa seja para mostrar como Shirley deveria abraçar os estereótipos raciais e agir mais como se é esperado de alguém como ele.
Inclusive esse é o grande problema do humor levado no filme, a “graça” vem em rir das situações onde Vallelonga é um peixe fora d’água ou se mostra como um ser totalmente ignorante ao código moral ao redor. Durante a projeção, vemos até a famosa gag onde alguém num evento de classe alta pegar a comida, apenas para cuspir rapidamente por achar uma porcaria. Não é dizer que essas situações não acontecem na vida real, mas é muito difícil achar que esse tipo de dicotomia não possa ser mostrada de outras formas. Outro exemplo de como o humor nesse filme força situações clichês ou absurdas é como ele tenta vender a ideia de que Don Shirley nunca chegou perto de um pedaço de frango frito a ponto de olhar para o alimento como algo alienígena, apenas para começar o discurso de Vallelonga de como ele conhece melhor “a cultura dele” do que o próprio Shirley. Além disso, o longa usa um momento no qual frango frito é servido num jantar de gala como se Tony tivesse feito um grande favor ao ensinar a comer e ignora o tom sombrio do jantar.
E mesmo que o filme tente focar mais na amizade dos dois, essa relação não é mostrada de forma satisfatória no longa. Não é possível acreditar que durante essa viagem os dois se tornaram amigos e muito menos que Tony aprendeu lições sobre o quão errado estava o seu racismo. Por mais que as ações do personagem sejam alteradas, o filme nunca mostra a reflexão do personagem para reconhecer os seus erros. O longa salta por cada bronca e lição de moral dos personagens ao redor do protagonista e esquece que a mudança precisa ser orgânica do personagem.
Os outros fatores que cercam a produção não atrapalham, mas também não ajudam a elevar o nível do problemático e insosso texto. Não há nada que impressione aqui, nem mesmo a fotografia, que faz o filme ser visualmente esquecível. Até mesmo as apresentações de Don Shirley não conseguem passar visualmente a virtuosidade do pianista.
Ao final dos longos 130 minutos de projeção, a impressão que fica de Green Book – O Guia é que se trata de um filme que pertence à outra época que deveria ter ficado lá, servindo como um filme que não se destaca na maioria de suas áreas e apresenta um texto que não funciona ao retratar uma mudança de atitude, duas pessoas aprendendo a conviver e especialmente uma longa amizade como o filme tenta vender, principalmente durante os letreiros que fecham o longa antes dos créditos começarem a rolar.
Nota: ★★